quarta-feira, 5 de junho de 2013

O impacto da Atividade Física no Trato Gastrointestinal



Autores: Erick Prado de Oliveira, Roberto Carlos Burini

Universidade Estadual de São Paulo-  Botucatu
O exercício físico pode ser benéfico ou prejudicial para o trato gastrointestinal, dependendo da intensidade do esforço e da saúde do indivíduo. Sabe-se que a intensidade leve a moderada exerce um papel protetor contra o câncer de cólon, diverticulite, colelitíase e prisão de ventre, enquanto o exercício extenuante agudo pode provocar azia, náuseas, vômitos, dor abdominal, diarréia e até sangramento gastrointestinal.
Descobertas recentes revelam que entre 25 e 50% dos atletas de elite são prejudicados em competições pelos sintomas gastrointestinais. Esses sintomas são muitas vezes atribuídos a alterações da motilidade, fator mecânico ou alterações de secreções neuroendócrinas.
Os efeitos benéficos do exercício à saúde:
É sabido que o exercício regular, independente do índice de massa corporal, oferece proteção contra todas as causas de mortalidade, principalmente por proteger contra a aterosclerose, hipertensão, diabetes tipo 2 e do câncer do cólon. Exercícios aeróbicos (caminhada, ciclismo) e de resistência (força) aumentam a síntese protéica muscular e biogênese mitocondrial, melhora a capacidade funcional e ainda promovem o aumento da massa muscular e redução da massa de gordura.
Além disso, a prática constante de exercício aeróbico diminui a pressão arterial, glicemia, insulina e risco de formação da placa de ateroma. Estudos observacionais afirmam que mesmo a prática de exercícios após o diagnóstico de câncer colorretal pode reduzir o risco de morte da doença e proporcionar melhor qualidade de vida.


Os efeitos maléficos do exercício ao organismo:
O exercício físico pode levar a distúrbios gastrintestinais, principalmente quando é de alta intensidade ou quando esse é praticado em ambientes quentes, sem uma hidratação adequada e por indivíduos sem preparação física.
Os principais mecanismos fisiopatológicos relacionados aos distúrbios gastrintestinais estão relacionados aos fatores isquêmicos, mecânicos ou neuroendócrinos.

Fatores Isquêmicos: 
A atividade nervosa simpática no momento do exercício físico permite o aumento do débito cardíaco para atender as demanda metabólica do corpo. O aumento dos sinais barorreflexos com o aumento da intensidade do exercício permite o aumento na perfusão sanguínea nos tecidos ativos do
 músculo esquelético, coração, pulmão e cérebro. Como o sangue é desviado das vísceras para esses órgãos durante exercício, o fluxo sangüíneo esplânico é diminuído em 70 a 80% do VO2 máximo.
Assim, exercícios extenuante reduzem o fluxo de sangue gastrointestinal, o que torna a mucosa do intestino suscetível à lesão isquêmica, aumentando a permeabilidade da mucosa, a perda de sangue oculto nas fezes, bem como a translocação da microbiota protetora e geração de endotoxinas que podem induzir a diarréia.
A isquemia da mucosa faz com que diminua a energia celular,levando à morte celular e inflamação das mucosas. Por isso a colite isquêmica é uma das principais causas de hemorragia gastrointestinal durante e após o exercício intenso.

Fatores mecânicos e motilidade
As causas mecânicas dos distúrbios gastrointestinais são decorrentes do aumento da pressão intra-abdominal. O aumento da pressão intra abdominal, comum em esportes como o futebol americano, halterofilismo e ciclismo aumenta o gradiente de pressão entre o estômago e esôfago, que em associação com o relaxamento do esfíncter inferior do esôfago - em exercícios de alta intensidade -, podem desencadear a doença do refluxo gastroesofágico (DRGE).
Já os efeitos do exercício físico sobre a motilidade intestinal ainda são muito controversos. Corredores de longa distância são mais suscetíveis a distúrbios da motilidade intestinal, que incluem diarréia e síndrome do intestino irritável.
Embora a fisiopatologia destes problemas permaneça largamente indefinida, os possíveis fatores causais incluem: balanço do líquido entérico e eletrolítico, isquemia mesentérica, aumento da permeabilidade das mucosas, trauma mecânico e motilidade colônica alterados.

Alterações neuroendócrinas: 
O estresse induzido pelo exercício físico estimula a regulação hipotálamo-hipófise – adrenal, levando a um aumento da secreção de hormônios imunossupressores. Um destes hormônios é o cortisol, que está relacionado a maior susceptibilidade à infecção do trato respiratório em atletas.
A secreção de hormônios por estresse leva também ao balanço energético negativo. Os principais mecanismos para compensar esse comportamento são a redução do gasto energético e/ ou o aumento do consumo de energia.

Doença do refluxo gastroesofágico 
Os sintomas do refluxo gastroesofágico são encontrados em aproximadamente 60% dos atletas e ocorre com maior freqüência durante a prática do exercício.
Os mecanismos sugeridos para o refluxo durante o exercício incluem diminuição da motilidade gástrica, relaxamento da parte inferior do esfíncter esofágico, aumento do gradiente de pressão entre o estômago e esôfago, distensão gástrica, diminuição do esvaziamento gástrico (especialmente no estado de desidratação), aumento da pressão intra-abdominal em esportes como o futebol, ciclismo e levantamento de peso.
Observa-se maior prevalência dos sintomas em atletas de esportes predominantemente anaeróbicos, como levantadores de peso, e sintomas moderados nos corredores. Ciclistas apresentam menor freqüência dos sintomas do refluxo, devido ao exercício apresentar menor quantidade de movimentos corporais, comparado aos levantadores de peso.
Os sintomas do refluxo incluem: aumento da pressão toráxica, dores parecidas com angina e alguns podem apresentar tosses atípicas, rouquidão e chiado, sintomas iguais ao broncoespasmo induzido pelo exercício. 


Tratamento:
  • Modificações no estilo de vida;
  • Mudanças em alguns comportamentos, como não deitar logo após a refeição;
  • Evitar o consumo de alimentos que relaxam o esfíncter esofagiano, como chocolate, menta, cebolas, alimentos ricos em gordura, álcool, tabaco, café e alimentos cítricos;
  • Dormir em travesseiros mais altos.
Hemorragia:
A hemorragia induzida pelo exercício tem sido documentada principalmente em corredores de longa distância, sendo que 85% de ultra-maratonistas e triatletas apresentaram sangue oculto nas fezes. Isso ocorre com mais freqüência durante as competições. A hemorragia ocorre principalmente por causa da colite ou gastrite secundárias ao consumo excessivo de antiinflamatórios. Essa ocorrência é mais freqüente em corredores, devido ao impacto mecânico.
Diarréia:
Em atletas, a diarréia normalmente está relacionada à mudança do hábito alimentar em viagens e intoxicação alimentar.
A diarréia aguda induzida pelo exercício é considerada como fisiológica e não provoca desidratação ou desequilíbrio eletrolítico e tende a melhorar com a melhora da aptidão física.
Apetite:
O exercício agudo aumenta os níveis pós-prandiais dos hormônios da saciedade (peptídeo YY, o GLP-1 e Polipeptídeo Pancreático).
Um aumento dos níveis plasmáticos de Polipeptídeo Pancreático foi observado tanto em jejum como após as refeições e esse aumento independe da intensidade do exercício.

Conclusão 
1) A prática de atividade física de intensidade leve a moderada tem um papel protetor contra transtornos do trato gastrointestinal;
2) A atividade física de alta intensidade leva a distúrbios gastrointestinais quando associada a estados de desidratação e/ou aumento da pressão intra-abdominal.
 
3) A hidratação adequada e um bom preparo físico são fundamentais para proteger o organismo contra danos fisiológicos dos exercícios de alta intensidade.